O juiz da 40ª zona eleitoral de São José de Piranhas, Dr. Ricardo Henriques Pereira Amorim, indeferiu uma ação eleitoral movida pelo prefeito de São José de Piranhas Bal Lins, e pelo partido Socialista Brasileiro (PSB) contra os blogs de informação, Blog do Furão e Blog do Espião, pertencentes aos radialistas Eutim Rodrigues e Janemácio Silva, respectivamente.
Na ação, o prefeito e o PSB alegavam que matérias jornalísticas publicadas pelos veículos de comunicação seriam sensacionalista e falsas, supostamente indicando a condenação do representante por contratação irregular de servidores temporários.
Após o devido processo legal com ampla defesa tendo sido disponibilizada aos representados, o magistrado proferiu decisão contrária a ação do gestor, destacando a liberdade de imprensa e liberdade de expressão, e extiguindo o processo.
Antes, o juiz já havia negado a antecipação de tutela solicitada pelos representantes para que os representados fossem coagidos por multa a não mais publicar propaganda eleitoral contra o representante e a retirada do ar das notícias jornalísticas.
A matéria em questão, diz respeito a decisão dos auditores do TCE (Tribunal de Contas do Estado) que deram parecer procedente a denúncia apresentada pelo vereador Ricardo Cavalcante em relação ao grande número de servidores contratados por excepcional interesse público por parte da prefeitura de São José de Piranhas que, no entendimento de Bal Lins seria notícia falsa.
Contudo, a prefeitura de Jatobá é a segunda da região amaspiana que mais realizou esse tipo de contratação em 2024 atingindo um número de 640 servidores, perdendo apenas para o município de São João do Rio do Peixe que contratou mais de mil.
Talvez, fosse isso que o prefeito não queria que a população piranhense tomasse conhecimento, mas que está no papel da imprensa como dever fundamental e que, nós, do Blog do Furão, jamais poderíamos fugir da nossa responsabilidade.
Tentar calar a imprensa através de ações judiciais, é típico de uma política atrasada e utilizada pelos velhos coronéis que à época tudo podiam e tudo faziam, e que parece não ter saído da mente de alguns políticos da atualidade.
O Blog do Furão jamais se calará diante de ameças autoritárias e renova a responsabilidade com a população de São José de Piranhas, Cajazeiras e de toda região, de sempre buscar a informação e repassá-la sem medo e isenção.
Que a decisão judicial sirva de exemplo para que outros políticos pensem, antes de tentar colocar mordaça na imprensa.
VEJA A SENTENÇA NA ÍNTEGRA:
JUSTIÇA ELEITORAL
040ª ZONA ELEITORAL DE SÃO JOSÉ DE PIRANHAS PB
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600199-84.2024.6.15.0040 / 040ª ZONA ELEITORAL DE SÃO JOSÉ DE PIRANHAS PB
REPRESENTANTE: PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - COMISSAO PROVISORIA, SANDOVAL VIEIRA LINS
Advogados do(a) REPRESENTANTE: ANNIBAL PEIXOTO NETO - PB10715, FELIPE GOMES DE MEDEIROS - PB20227
Advogados do(a) REPRESENTANTE: ANNIBAL PEIXOTO NETO - PB10715, FELIPE GOMES DE MEDEIROS - PB20227
REPRESENTADO: JANEMARCIO DA SILVA, MOISES RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) REPRESENTADO: EDNELTON HELEJONE BENTO PEREIRA - PB13523-A
Segundo a inicial, os representados publicaram notícias falsas que indicam a condenação do representante por contratação irregular de servidores temporários. O representante é candidato a prefeito no município de São José de Piranhas.
A decisão de ID 122639961 indeferiu o pedido de tutela antecipada.
Os representados foram citados (122674276). No entanto, apenas o segundo representado apresentou resposta (122671188). Na oportunidade, negou ter publicado notícias falsas ou ter pretensão política contrária aos interesses do representado, afirmando imparcialidade jornalística. Outrossim, pugnou pela condenação do representante em multa por litigância de má-fé.
O Parquet apresentou parecer pela improcedência do pedido (122863564).
Os autos estão conclusos.
É o breve relatório.
Decido.
De início, calha observar que a regra é que o cidadão exerça as liberdades de opinião e de expressão, direitos fundamentais do Homem intrínsecos à verdadeira Democracia enquanto regime político.
Em se tratando de pessoa que exerça função jornalística ou de imprensa, sua liberdade de expressão é ainda mais alargada.
Por outro lado, obviamente a ninguém é permitido utilizar-se dos direitos constitucionais individuais para fins espúrios. Em se tratando das liberdades de expressão e opinião, ganham relevância a proibição da propagação das chamadas fake news, desinformação e discursos de ódio.
“É preciso se garantir a integridade, a normalidade e a legitimidade do pleito eleitoral, sendo mister evitar a manipulação do debate público, a disseminação de discurso de violência, preconceito, discriminação e ódio, a difusão de notícias falsas (fake news), de páginas e perfis espúrios. Isso para que as eleições sejam realmente democráticas, legítimas e sinceras” (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 16.ed São Paulo: Atlas, 2020. p.746).
Levando em consideração o processo apresentado a este juízo, para o acolhimento do pedido inicial, o representante deveria comprovar que os representados realizaram propagandas eleitorais negativas.
No entanto, não há nos autos provas de que as notícias propagadas pelos representados configurem fake news ou desinformação, tampouco do uso eleitoreiro de tais publicações.
Sobre a ausência de comprovação de finalidade política nas notícias, é imperioso observar que as notícias não fazem menção à candidatura do representante ou de oponente, tampouco ao pleito eleitoral municipal em curso.
O simples fato de estarmos no período eleitoral não faz com que notícias jornalísticas de cunho político tenham finalidade eleitoral ou eleitoreira. É dizer, o período eleitoral não suspende o trabalho e a importância do jornalismo, mesmo do jornalismo político investigativo. Isto é, não é jurídico que durante o curso do período eleitoral, os jornalistas sejam impedidos de publicarem notícias políticas que de alguma forma toquem aos candidatos envolvidos no pleito.
Se não há indicativo de finalidade eleitoral na notícia, não é possível configurá-la como propaganda eleitoral tampouco entender a questão como de interesse da Justiça Eleitoral.
Em sentido semelhante, inclusive julgando caso bastante similar ao dos presentes autos, o TRE-PB já decidiu:
ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL EM REPRESENTAÇÃO POR SUPOSTA PROPAGANDA ANTECIPADA NEGATIVA. PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA PARA ABSTER-SE DA PRÁTICA DE PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. INDEFERIMENTO. exercício do direito à liberdade de expressão. NÃO CONFIGURAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL ILÍCITA. INTELIGÊNCIA DO ART. 36-A DA LEI Nº 9.504/97. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600010-09.2024.6.15.0040).
Também não há comprovação de que as notícias publicadas pelo réu constituam fake news ou desinformação.
Por fake news tem-se a propagação de fatos gravemente descontextualizados ou sabidamente irreais como se fossem verdadeiros. Tal conceito pode ser extraído, à propósito, dos arts. 9º a 9º-H da Resolução n. 23.610/19 do TSE.
Nesse sentido, as seguintes publicações de votos e ementas extraídas do Repositório de decisões do TSE sobre enfrentamento à desinformação eleitoral (https://www.tse.jus.br/eleicoes/sistema-de-alertas-links/repositorio-enfrentamento-a-desinformacao-eleitoral):
“Representação por propaganda irregular desinformativa – alegada divulgação de fato sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado – art. 9º-A da resolução/TSE 23.610/2019 – inocorrência – falas vagas ou ambíguas – postagens que navegam com comentários, críticas ou análises dentro do espectro possível de significação de manifestação pública do próprio candidato – imprestabilidade da representação como forma de estabelecimento judicial de uma única interpretação possível a manifestações lacunosas – representação julgada improcedente – recurso desprovido.” [...] NE: Trechos do voto da relatora: “[...] para que o conteúdo possa ser qualificado como propaganda eleitoral desinformativa, imprescindível a demonstração de que envolve fato ‘sabidamente inverídico’ ou ‘gravemente descontextualizado’, ônus que compete ao autor representante, por ser verdadeiro elemento constitutivo do direito de excepcional restrição discursiva por si buscado.” [...] “ao que tudo indica, o caso é de emissão de falas que, bem ou mal, deram ensejo a múltiplas interpretações, a ponto de terem merecido correção ao vivo pela própria entrevistadora e a ponto de despertarem, segundo noticia a grande imprensa, debate sobre a necessidade de um pedido de desculpas pelo próprio candidato.” (TSE. Ac. de 19.12.2022 no Rec-Rp n° 060092739, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri.)
“Eleições 2022. Representação. Propaganda eleitoral irregular. Internet. Divulgação de notícia veiculada na imprensa, sem qualquer descontextualização que lhe subverta o sentido. Desinformação. Grave descontextualização. Não configuração. Inexistência de ofensa ao art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019. Liberdade de expressão. Intervenção mínima. Justiça Eleitoral. Improcedência. 1. A intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso capazes de vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais. 2. Muito embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré-campanha e também no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem-se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e que estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configura prática desviante, que gera verdadeira ‘falha no livre mercado de ideias políticas’, deliberadamente forjada para induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha. 3. A desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor em erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã. 4. Postagens que navegam com comentários, críticas, sátiras ou análises dentro do espectro possível de significação das falas feitas pelo candidato, sem qualquer grave descontextualização capaz de alterar seu conteúdo sensivelmente, a ponto de induzir o eleitor em erro, não incidem na proibição plasmada no art. 9º-A da Res.-TSE nº 23.610/2019. Precedente [...]”. (TSE. Ac. de 25.10.2022 na Rp nº 060085467, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri.)
Outrossim, não é passível de ser enquadrado em fake news opiniões, sejam elas favoráveis ou contrárias aos detentores do poder, sejam elas razoáveis ou não para quem as ouve. Ocorre que opiniões, por seu próprio conceito, não podem ser caracterizadas como verdadeiras ou falsas, de modo que não podem ser fake ou não. Logo, a propagação de emissão de opinião alheia também não pode ser avaliada como fake news, salvo se comprovadamente não houve a emissão da opinião pelo terceiro a quem é atribuída.
O jornalista, e qualquer cidadão, possui o direito de manifestar-se contrariamente a candidato ou governante, mesmo que de forma irrazoável. A crítica pessoal a agentes políticos, ainda que ácida, também é acobertada pelas liberdades individuais.
Também não é possível ao Poder Judiciário exigir que a expressão jornalística adote vocabulário ou estilo tal ou qual, sendo admissível o uso de linguajar tido por sensacionalista ou dotado de menor respeito à norma culta da língua portuguesa. Passemos a análise das notícias apontadas pelo representante como fake news.
É verdade que as notícias utilizaram, em suas manchetes, termo ambíguo com clara atecnia. Refere-se aqui ao “julga procedente” e “julgam procedentes”. Para o operador do direito, tais termos refletem a decisão final de um processo, uma condenação. Para o leigo, no entanto, o termo se apresenta ambíguo podendo significar que o julgador deu seguimento às investigações (admitiu a denúncia como válida e passível de processamento) ou que já houve condenação. No entanto, a ambiguidade do texto, embora não represente uma atuação jornalística e gramatical perfeita, não chega a configurar como fake news já que o texto que segue à manchete não deixa dúvida de que o representante está sendo investigado, e não que foi condenado, superando a ambiguidade inicial.
Ademais, no caso dos autos, como bem esclarecido na contestação, o termo foi espelhado do ato proferido pelo Tribunal de Contas que utilizou termo similar, afirmando que “a denúncia mostra-se procedente”. Portanto, ainda mais se afasta a alegação de publicação de fake news. no caso concreto.
Em tal situação, não constatado pretensão eleitoral na notícia impugnada e inexistente a comprovação de inveracidade, não há falar em atuação antecipada da Justiça Eleitoral.
Por outro lado, a improcedência, por si só, não implica em condenação do sucumbente em multa por litigância de má-fé. Ocorre que o pedido inicial, embora improcedente, não reflete má-fé, mas exercício legítimo do direito de ação.
É mister preservar a liberdade de expressão da parte representada.
Diante do exposto, REJEITO os pedidos da inicial e, por conseguinte, EXTINGO o processo com resolução de mérito, na forma do art. 487, inciso I, do CPC.
Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.
São José de Piranhas, 15 de setembro de 2024.
Ricardo Henriques Pereira Amorim
Juiz de Direito